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TOXICIDADE

Os compostos responsáveis pela toxicidade da dedaleira podem ser encontrados em todas as partes da planta (flores, folhas, sementes e caule).

Em caso de overdose por ingestão da planta, ou de uma infusão da mesma, há a ocorrência de vários sintomas de intoxicação [1].

Também os fármacos derivados desta planta, e que contêm compostos digitálicos, como a digoxina e a digitoxina, poderão ser tóxicos. Efetivamente, ambos os fármacos têm uma janela terapêutica estreita, sendo a toxicidade facilmente atingida. Por este motivo, a possibilidade de ocorrer toxicidade deverá ser sempre tida em consideração aquando desta terapia farmacológica. 

Figura 13: Efeito da inibição da bomba Na+ na homeostasia do Ca2+ celular.

Adaptado de: Lelievre, L. G., & Lechat, P. (2007). Mechanisms, manifestations, and management of digoxin toxicity. Heart Metab, 35(9).

Mecanismo de ação

A Na+/K+ ATPase está presente no miocárdio e é responsável pelo transporte ativo de 2 iões de potássio (K+) para o interior da célula e 3 iões de sódio (Na+) para o exterior celular, sendo que tal ocorre contra o gradiente de concentração de ambos os iões. 

A digitoxina, bem como outros compostos digitálicos, inibe a Na+/K+ ATPase, e consequentemente o seu mecanismo de transporte de Na+ e K+ no tecido cardíaco, impedindo o transporte de potássio para as células. Isto leva a um aumento dos iões de sódio a nível intracelular que, por sua vez, levam ao aumento de cálcio intracelular por meio do trocador Na+/Ca2+, que é o responsável pela excitabilidade e automaticidade das células cardíacas [2, 7].

Assim, o aumento do cálcio intracelular até níveis que excedem a capacidade de armazenamento do retículo sarcoplasmático  leva a um grande número de ciclos se libertação-reuptake de cálcio de modo a restabelecer os níveis. Além disso, correntes de despolarização são ativadas pela troca de iões de sódio por iões de cálcio (devido ao excesso intracelular de cálcio) o que resulta num atraso na pós-despolarização que se traduz em sístoles e arritmias ventriculares. Este é um mecanismo de toxicidade indireto que advém da inibição da Na+/K+ ATPase [7].

 

A Na+/K+ATPase é uma proteína intrínseca da membrana altamente conservada. É um heterodímero com três subunidades: alfa, beta e gama. A subunidade alfa contém os locais de ligação para o Na+, o K+ e o ATP [2].

Figura 14: Mecanismo de ação dos compostos digitálicos.

Adaptado de: http://www.cvpharmacology.com/cardiostimulatory/digitalis - consultado em 6/04/2016

Apesar da principal ação dos compostos digitálicos ser o aumento da força e velocidade de contração do miocárdio - efeito inotrópico positivo - observações clinicas e experimentais sugerem que estes compostos possuem também ações neurais autonómicas importantes. Assim, devido predominantemente a um efeito indireto, resultante do aumento do tónus parassimpático e, possivelmente, a partir de uma diminuição do tónus simpático, estes compostos podem também levar a uma diminuição na taxa de condução e aumento do período refratário efetivo do nodo atrioventricular (AV) [3]. 

 

Os glicosídeos digitálicos podem exercer ações tanto excitatórias como inibitórias em animais. Podem produzir vasoconstrição em humanos saudáveis, mas levam à vasodilatação em pacientes com falha cardíaca [3]. 

A toxicidade pode ocorrer nas seguintes situações [8]:

- Altos níveis de compostos digitálicos no organismo, por exemplo aquando da ingestão da planta ou sobredosagem de medicamentos que possuam estes compostos;

- Tolerância diminuída aos compostos digitálicos: pessoas com tolerância diminuída podem ter um nível normal destes compostos no sangue, podendo desenvolver sinais de toxicidade se existirem outros fatores de risco;

- Toma concomitante com diuréticos: muitos diuréticos levam à perda de  potássio, sendo que um baixo nível deste ião é um fator de risco para a toxicidade por digitálicos;      

-  Baixo níveis de magnésio no organismo;

- Toma de medicamentos digitálicos, juntamente com medicamentos que interagem com eles: quinidina, flecainida, verapamil, amiodarona, entre outros;

- Problemas renais: os compostos digitálicos podem acumular-se ao invés de serem excretados normalmente na urina.

 

Sintomas de Intoxicação  [4,5,6]

Digestivos

Anorexia, náuseas e vómitos são os sinais primários mais comuns de toxicidade e podem preceder ou suceder eventos cardíacos.

Tanto as náuseas como os vómitos podem-se iniciar e parar abruptamente. Os efeitos gastrointestinais (GI) são provavelmente, pelo menos parcialmente, mediados por uma área postrema a medula.

Grandes doses de glicosídeos cardíacos poderão também induzir vómitos por irritação direta.

Outros efeitos GI incluem salivação, dor abdominal, distensão abdominal, diarreia, constipação e perda de peso.

Mais raramente, podem ocorrer hemorragias agudas a nível intestinal, do esófago, ou ainda necrose gástrica.

Neurológicos

Dor de cabeça, fadiga, mal-estar, sonolência e fraqueza muscular generalizada são sinais do sistema nervoso comuns de toxicidade. Também podem ocorrer tonturas, vertigens, síncope, apatia, letargia, excitação, euforia, insônia, irritabilidade, agitação, soluços, agitação, nervosismo, convulsões, opistótono e coma.

Visuais

A nível visual pode ocorrer: alteração da perceção das cores, halo verde-amarelado à volta das imagens e das luzes, fotofobia, visão esfumada, visão de corpos escuros, diplopia e midríase.

Cardíacos

Podem ocorrer arritmias, bradicardia, taquicardia e hipotensão. As arritmias que ocorrem em casos de intoxicação por digitálicos podem ser de qualquer tipo. Em intoxicações agudas os sintomas e os sinais electrocardiográficos podem ser bastante exuberantes, enquanto nas intoxicações crónicas podem ocorrer de forma mais discreta.

Os compostos acumulam-se e são excretados lentamente pelo que, intoxicações durante a terapia com compostos digitálicos são comuns.

A incidência da ocorrência de intoxicações foi estimada entre 5-23%. As diretrizes de dosagem mais rigorosas e técnicas de monitorização, reduziram drasticamente a incidência de overdose terapêutica.

[1]Hood Jr, W. B., Dans, A. L., Guyatt, G. H., Jaeschke, R., & McMurray, J. J. V. (2007). Digitalis for treatment of congestive heart failure in patients in sinus rhythm. The Cochrane Library.

[2] Paul J. Hauptman, Digitalis, Department of Medicine, Division of Cardiology, Saint Louis University School of Medicine, St. Louis, MO e  Cardiovascular Division,  Department of Medicine, Brigham and Women’s Hospital and Harvard Medical School, Boston, Mass. Circulation. 1999;99:1265-1270, 1999 American Heart Association, Inc.

[3] Ferguson, D. W., Berg, W. J., Sanders, J. S., Roach, P. J., Kempf, J. S., & Kienzle, M. G. (1989). Sympathoinhibitory responses to digitalis glycosides in heart failure patients. Direct evidence from sympathetic neural recordings.Circulation, 80(1), 65-77.

[4] Goldsmith, S. R., Simon, A. B., & Miller, E. (1992). Effect of digitalis on norepinephrine kinetics in congestive heart failure. Journal of the American College of Cardiology, 20(4), 858-863.

[5] Ana Tereza Miranda Potiguara Vasconcelos, médica, Digitalis purpúrea, 2014

[6] McEvoy, G.K.  American Hospital Formulary Service- Drug Information 2002. Bethesda, MD: American Society of Health-System Pharmacists, Inc. 2002 (Plus Supplements)., p. 1553

[7] Lelievre, L. G., & Lechat, P. (2007). Mechanisms, manifestations, and management of digoxin toxicity. Heart Metab, 35(9).

[8] https://www.nlm.nih.gov/medlineplus/ency/article/000165.htm - consultado em 5/05/2016

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